sábado, 1 de agosto de 2009

anatomia

No começo era inocente guardar o segredo sob a rótula do joelho direito, se o resto do medo tinha se coagulado em sangue pisado, bem embaixo das unhas. Ela não tinha mais vinte e poucos anos. O rastro que a angústia deixou nas vezes que varreu o corpo todo, da sola ao couro cabeludo, tinha sido impresso, de leve, sobretudo na panturrilha. E era estranho não poder, nem por um minuto, separar-se de si mesma. E se ela quisesse dar uma volta no quarteirão sozinha? E se ela quisesse, por motivos que não vem ao caso contar, tomar banho sozinha? Mas não, ela tinha que ir junto com ela. E como se fosse um jogo, tentou lembrar da última vez que sentiu ódio. Não lembrou porque faz muito tempo. Raiva sim, mas em nenhum lugar específico do corpo. Vinha em forma de pequenas fagulhas nervosas, que se espalhavam como catapora na pele. Logo depois desapareciam sem aviso, do mesmo jeito que chegavam. Na palma da mão esquerda uma confissão, que era a irmã mais nova do arrependimento, que embora tímido, ousava deitar-se como um rei sobre o peito do seu pé. E assim ela vivia. De vez em quando olhava para a barriga e sentia que uma náusea tentava se instalar nas paredes do estômago. Era seu instinto de defesa que fazia com que ela corresse até a janela em busca de ar, e assim que o fazia, logo via alguém na rua que julgava estar mal agasalhado.“Esse vai passar frio mais tarde...”ela pensava. Desse jeito esquecia da náusea, e a náusea se esquecia dela. Constante mesmo era a ansiedade, que apesar de decrescente nos últimos anos, ainda arrebitava o seu nariz. O nariz por sua vez, tentava se livrar da bandida, empurrando-a hostilmente para o pescoço. O pescoço, embora um gentleman, não conseguia carregá-la por mais de meia hora. Sem saída, a ansiedade escorria pelos ossos, até se alojar, espremida entre a primeira e a terceira, na segunda vértebra. De lá para o mundo: diluída em panos quentes e algo bom que o dia traria. Sem falta. A inveja era nula, ou quase, remanescente da época em que fez tudo errado. O pior mesmo era a culpa, que de tão subjetiva, sempre se apossava de algum lugar novo. Era uma inconveniente, a pior das parasitas, que vinha quando ela achava que finalmente tinha liquidado o assunto, vinha para mostrar que o corpo era dela também. Mas não era; o corpo era o corpo. E ela poderia sim, ser o cabide das próprias oscilações, não fosse o endocárdio, que ali na altura do peito, entre o miocárdio e o pericárdio, seguisse inabalado. O peso que carrega, é mais leve do que; O que pode ser mais leve que uma pluma? Então, é isso! O peso da parte mais interna do músculo era mais leve, do que pode ser mais leve, que a pluma.

Essa era a graça de tudo.

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